Nessa passagem, o espírito veste um corpo em constante transformação.
Christina Elias (São Paulo, 1978).
Artista que trabalha nas fronteiras entre dança, artes visuais e literatura. Em seu processo, o corpo é um túnel por onde passam diversas linguagens. A performance de movimento, fundamentada na dança contemporânea e no Butô, se expande para outras mídias: fotografia, vídeo, instalação e objetos. Sua pesquisa envolve a linguagem, os seus diversos meios e suas construções e desconstruções. Seus principais temas são a passagem do tempo, o perecimento do corpo e dos objetos, o Feminino e suas relações com o tempo doméstico cotidiano e o tempo subjetivo.
MASTER em Estudos de Movimento pela Royal Central School of Speech and Drama (2011). DOUTORAMENTO em Design pela Universidade Anhembi Morumbi São Paulo (2020). Pós-Doutoramento em Comunicação e Semiótica – Artes do Corpo pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP, 2021).
Realizou diversos projetos solo e relacionais em museus e galerias no Brasil e na Europa, como Museu da Língua Portuguesa (São Paulo), MAM-SP, MIS-SP, MAC-USP, MAXXI Roma, Studio Stefania Miscetti Roma, Radialsystem, Uferstudios Berlin entre outros. Participou em Festivais de performance e dança no Brasil, Europa e América do Norte como PLATAFORMA BERLIM, DANÇA EM FOCO RIO DE JANEIRO, MIRADA FESTIVAL ÍBERO AMERICANO DE ARTES PERFORMATIVAS SESC SANTOS (BRASIL), BUMP´N GRIND TORONTO e recebeu alguns prêmios importantes como FUNARTE MULHERES NAS ARTES VISUAIS, Aldir Blanc - PROAC por HISTÓRICO DE CARREIRA entre outros.
Foi assistente trainee de direção da coreógrafa Sasha Walz na criação da ópera-dança Matzukaze (2010) e colaborou e estudou com diversos artistas Butô como Minako Seki e Yuko Kaseki (Berlim) e Tetsuro Fukuhara (Tóquio). Integra as coleções Luciano Benetton, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, Museu de Arte de Ribeirão Preto e Museu Universitário de Arte da Universidade Federal de Uberlândia.
O corpo
Formada em Ballet clássico e dança moderna pelo SIWA Ballet (São Paulo) e graduada pela Faculdade de Direito do largo São Francisco (USP), até uma determinada altura de sua vida, acreditava que escrever e dançar eram atividades que se excluíam. Mais tarde, já em Londres no contexto do MA em Estudos de movimento, passou a se interessar por técnicas de dança contemporânea e movimento somático até encontrar o Butô, que incorporou como uma arte ao mesmo tempo física e conceitual de desconstrução de padrões, sejam esses das próprias técnicas de dança e ou da sociedade. Durante este período, teve a oportunidade de vivenciar a prática de corpo de artistas e diretores de movimento como Susan Klein, Helen Hislip, Ayse Tashkiran, Vanessa Ewan, Martin Gruber, Minako Seki, Yuko Kaseki, Simei Che. Em 2011, realizou um estágio como assistente de direção da coreógrafa alemã Sasha Walz durante a produção da ópera-dança Matsukaze. Em 2012, conheceu em Roma o artista e mestre Butô Tetsuro Fukuhara com quem mantém um diálogo e parceria constante.
A partir dessas experiências, expandiu seu entendimento de movimento e escritura e desenvolveu o seu próprio método de narrativa corporal. Este método, que denomina EXPRESSÃO SACRO-CRANIAL, tem como princípio fundamental a ideia de que todo movimento parte da coluna vertebral e que qualquer movimento em membros ou no espaço é uma remificação deste. O movimento sacro-cranial se altera em qualidade, forma, consistência conforme a região na coluna em que se origina. Essa forma de pensar o corpo se fundamenta nas seguintes técnicas de movimento:
Fundamentos de Bartenieff_
Conexões entre partes do corpo, com o ambiente, o espaço e outras pessoas. Baseado em padrões de conectividade do corpo, este sistema sugere um processo de reenraizamento através de uma visita regressiva aos padrões de desenvolvimento de movimento, desmistificando dualidades como dentro e fora, intenção e expressão, querer e agir, corpo e mente... e oferece uma compreensão clara de como o corpo é o nosso instrumento vivo, sempre fazendo conexões. Através da sua aplicação ao movimento, os adultos têm a oportunidade de escolher regressar para relembrar aspectos de seu movimento que foram esquecidos quando integrados em padrões de movimento maiores no processo normal de crescimento e desenvolvimento.
BMC – Body Mind Centering_
A consciência permeia todo o corpo. Nesse método, parte-se da premissa de que corpo físico e mente são uma unidade complementar. Os dois operam como sistemas amarrados para compor a totalidade do corpo, num processo contínuo sem ordem cronológica nem linear. Há um abandono do cartesianismo dualista para entender que o movimento bem como o pensamento emergem do corpo-mente em conjunto e ao mesmo tempo. Criado pela norte-americana Bonnie Bainbridge Cohen há mais de 40 anos, este método prioriza a compreensão e análise do movimento pautados na experiência sistêmica do corpo e sinestésica do espaço.
Teoria do chakras_
Chakras são rodas ou centros de energia distribuídos ao longo do eixo vertical do corpo (da base da coluna ao topo da cabeça). São 7 chakras que se conectam a 7 elementos no corpo se alternam no desenho de tendências comportamentais e diferentes qualidades de movimento:
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7 – consciência (pensamento) – transformação da “matéria” em “ser social”
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6 – intuição (luz) – transformação da “matéria” em “ser social”
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5 – comunicação (som) – transformação da “matéria” em “ser social”
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4 – amor (ar) – transformação da “matéria” em “ser social”
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3 – poder (fogo) – dinâmico e leve, movendo-se para cima, contra a gravidade
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2 – sexualidade (água) – menor resistência do movimento
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1 – sobrevivência (terra) – menor resistência do movimento
Butô_
O corpo se expande para fora da pele ilimitadamente. Os artistas Butô percebem seus corpos e o ambiente como ambientes em fluxo contínuo de trocas. O corpo não é apenas aquilo que é delimitado e contido pela pele. Para a visão de existência que permeia a arte do Butô essa ideia do corpo é apenas uma ilusão. O treino corpo-mente do Butô é um caminho para alcançar um estado corpóreo de conectividade, no qual processos imaginativos mediam uma teia dinâmica de relações entre indivíduo e ambiente, entre dentro e fora dos limites da pele.
Essa é a bagagem com que Christina chegou nas artes visuais.
MINDSET - WELTANSCHAUUNG - CONFIGURAÇÃO DA MENTE
Um pensamento que ilumina a prática
Desde "Corpos que importam" (1993) até a atualidade com "Vida Precária" (2004), Judith Butler tem apontado a natureza política e performática do corpo e como o corpo feminino tem sido sistematicamente apagado pelo pensamento metafísico ocidental. O corpo, no pensamento clássico ocidental se transformou numa figura fantasmagórica, esvaziado por um processo de exclusão em que a representação substitui o objeto em si mesmo. O corpo material passa então a ser o resultado da repetição no tempo de normas impostas por um imperativo falocêntrico e a sua materialidade, um efeito do poder. A teoria de Butler foi um impulso para procurar novos “discursos para o corpo” que não mimetizassem essas relações de poder constituídas, mas que, pelo contrário, buscassem desconstruí-las. Entendi que os discursos do corpo são metafóricos, conceituais e políticos e que falar do corpo pelo corpo em si tem uma força ativista de alcance amplo.
Livros que li, estou lendo ou quero ler
DELEUZE, Gilles. "Diferença e repetição". Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: São Paulo: Paz e Terra, 2018.
DELEUZE, Gilles. "Francis Bacon: a lógica da sensação". Trad. Roberto Machado. São Paulo: Zahar, 2007 [1981].
LE BRETON, David. "Adeus ao corpo: antropologia e sociedade". Campinas: Papirus, 2003.
BUTLER, Judith. "Bodies that matter". London: Routledge, 2011.
KUNICHI, Uno. Hijikata Tasumi: pensar um corpo esgotado. Trad. C. Greiner e E. Filho. São Paulo: N-1 Edições, 2018.